Para estancar a sangria
Ricardo Noblat, O Globo
À luz dos fatos recentes, combinemos
assim: senador pedir R$ 2 milhões a empresário para pagar despesas com
advogados não é nada demais. Só interessa a eles.
Não importa que o dinheiro tenha sido
entregue dentro de uma mala, sem registro da transação. E que a irmã do senador
tenha tentado, mais tarde, vender ao empresário um imóvel da família a preço
exorbitante. Assunto particular, ora essa...
Combinemos também que deputado
filmado pela Polícia Federal correndo com R$ 500 mil dentro de uma mala só
revela o quanto é inseguro circular livremente em locais públicos de qualquer
grande cidade.
É verdade que o dinheiro lhe fora
dado como pagamento de propina. Mas acabou devolvido. Em troca, o agora
ex-deputado está proibido de sair de casa à noite e nos fins de semana. Não
está de bom tamanho?
O ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF) que devolveu o mandato ao senador escreveu que a trajetória
política dele é elogiável, que ele tem fortes ligações com o Brasil e que só ao
Senado cabe punir os seus, preservando-se o equilíbrio entre os poderes da
República.
É irrelevante, de certo, que o mesmo
ministro, há alguns meses, tenha afastado do cargo o presidente do Senado.
Acabou desautorizado por seus pares.
Não é vedado a um juiz pensar, hoje,
de uma forma e amanhã de outra. O ministro que mandou prender o ex-deputado da
mala, por exemplo, disse que o fez porque ele “prosseguiria aprofundando
métodos nefastos de autofinanciamento em troca de algo que não lhe pertence”.
Certamente a prisão foi relaxada
porque o ex-deputado desistiu de aprofundar seus “métodos nefastos de
autofinanciamento”. Passou o perigo, pois.
O senador agora reconciliado com o
mandato funcionou como âncora para impedir que seu partido abandonasse o
governo. Se tal ocorresse, o governo retaliaria liberando votos para cassar seu
mandato.
De volta às funções, e por coerência,
o senador atuará com mais desenvoltura ainda para que o presidente da República
denunciado por corrupção passiva continue firme e forte como deve ser.
Infelizmente para o governo, o
ex-deputado da mala não poderá ajudá-lo a sobreviver mesmo que débil. Pegaria
mal vê-lo arrastar-se por aí com uma incômoda tornozeleira eletrônica.
Sua maior contribuição à estabilidade
das instituições será manter-se calado. Por coincidência, nada mais do que
coincidência, foi libertado poucos dias depois de avisar que estava disposto a
delatar. Era o que faltava...
Celebremos o que há de mais positivo.
Por folgada maioria de votos, o STF validou a delação dos executivos do Grupo
JBS que ameaça a sorte do atual e dos ex-presidentes Dilma e Lula. Quer dizer:
segue valendo a lei das delações assinada por Dilma e depois amaldiçoada por
ela.
A decisão do tribunal deixou
entreaberta a porta para revisão de delações contaminadas por ilegalidades.
Quais? Qualquer uma. Não lhe parece justo?
O Procurador Geral da República,
Rodrigo Janot, cujo mandato termina em setembro, já teve seu substituto
escolhido – a procuradora Raquel Dodge, de notável biografia e desafeta dele.
Foi o segundo nome mais votado por
seus colegas. O primeiro, irmão do governador do Maranhão, adversário de José
Sarney, era a favor da cassação de Temer. Foi o ministro Gilmar Mendes que
sabiamente aconselhou Temer a escolher Raquel.
Espera-se que o juiz Sérgio Moro
condene Lula, esta semana. Então o país poderá respirar aliviado. Não é?